Quem, mais do que Maria, ouviu a Palavra de Deus e a colocou em prática? Pois ela, Maria, é aquela que “conservava todas estas coisas e as meditava em seu coração” (cf. Lc 2, 19.51). Isto é, guardava e meditava sobre tudo o que lhe sucedia desde que havia dado seu consentimento a Deus, desde que concebera em seu seio o Filho unigênito de Deus, entregando-se inteiramente à Sua santíssima Vontade.
E não é também de Maria que diz a Escritura: “bendita és tu que creste, pois o que te foi dito da parte do Senhor será cumprido” (Lc 1, 45)? Não é ela, Maria, aquela a quem proclamamos bem-aventurada (feliz) por todas as gerações porque o Todo-Poderoso fez nela e por meio dela maravilhas (cf. Lc 1, 48-49)?
Portanto, ninguém mereceu, como Maria, o louvor que hoje vemos sair da boca de Jesus, seu divino Filho, e que, com justiça, lhe é tributado. Ela é, de fato, a Mãe de Jesus, mas não só pelos laços biológicos. Principalmente o é porque ouviu a Palavra de Deus e a pôs em prática, muito mais do que todos os patriarcas, profetas e justos do Povo de Israel antes dela e muito mais do que todos os santos do novo Povo de Deus que vieram depois dela.
Tomemos, pois, Maria como exemplo para nós. Quando, a cada dia, tomarmos a Palavra de Deus, peçamos ao Senhor a graça de o fazermos como Maria. Aprendamos a conservar a Sua Palavra no coração, ali a meditemos continuamente e a coloquemos em prática. Nada mais do que isso fizeram os mártires coreanos, cuja memória hoje celebramos e que deram a vida para testemunhar sua fé em Jesus Cristo.
Mártires Coreanos
No início do século XVII, por iniciativa de alguns leigos, entrou pela primeira vez a fé cristã na Coreia. Assim se formou uma comunidade forte e fervorosa, sem pastores, quase só conduzida por leigos, até ao ano 1836, durante o qual chegaram os primeiros missionários, vindos de França, que entraram furtivamente na região. Nas perseguições dos anos 1839, 1846 e 1866, surgiram desta comunidade 103 santos mártires, entre os quais se distinguem o primeiro presbítero e ardente pastor de almas André Kim Taegon e o insigne apóstolo leigo Paulo Chong Hasang. Os outros são quase todos leigos, homens e mulheres, casados ou não, anciãos, jovens e crianças, que, suportando o martírio, consagraram com o seu glorioso sangue os florescentes primórdios da Igreja coreana.
Última exortação de Santo André Kim Taegón
Meus caríssimos irmãos e amigos, considerai como Deus no princípio dos tempos dispôs os céus, a terra e todas as coisas; meditai também com que especial intenção criou o ser humano à sua imagem e semelhança. Se, pois, nesta vida de perigos e miséria, não reconhecermos o Criador, de nada nos servirá termos nascido e continuar vivendo. Já neste mundo pela graça divina, pela mesma graça recebemos o batismo, entrando no seio da Igreja e tornando-nos discípulos do Senhor. Mas, trazendo assim o precioso nome de cristãos, de que nos servirá tão grande nome, se na realidade não o formos? Seria inútil termos nascido e ingressado na Igreja se traíssemos o Senhor e a sua graça; melhor seria não termos nascido do que, recebendo a sua graça, pecarmos contra ele.
Considerai o agricultor ao lançar a semente no campo: primeiro, prepara a terra com o suor do seu rosto e depois joga a preciosa semente; chegando o tempo da colheita, alegra-se de coração com as espigas cheias, esquecendo seu trabalho e suor, e dançando de alegria; se porém as espigas permanecem vazias não sendo mais que palha e casca, o agricultor deplora o duro labor com que suou, sentindo-se tanto mais desesperado quanto mais trabalhou.
De modo semelhante, cultiva o Senhor a terra como seu campo, sendo nós os grãos de arroz; rega-nos com o seu sangue na sua Encarnação e Redenção para que possamos crescer e amadurecer; quando, no dia do juízo, vier o tempo da colheita, quem pela graça for achado maduro gozará o reino dos céus como filho adotivo de Deus. Quanto aos outros, que não amadureceram, tornar-se-ão inimigos, punidos para sempre, embora também tenham se tornado filhos adotivos de Deus pelo batismo.
Irmãos caríssimos, lembrai-vos de que nosso Senhor Jesus, descendo a este mundo, sofreu inúmeras dores e tendo fundado a Igreja por sua paixão, ele a faz crescer pelos sofrimentos dos fiéis. Apesar de todas as pressões e perseguições, os poderes terrenos não poderão prevalecer: da Ascensão de Cristo e do tempo dos apóstolos até hoje, a santa Igreja continua crescendo no meio das tribulações.
Também nesta nossa terra da Coréia, durante os cinqüenta ou sessenta anos em que a santa Igreja se estabeleceu aqui, os fiéis sempre sofreram perseguições. Hoje acendeu-se de novo a perseguição; muitos amigos são, como eu, lançados nos cárceres, enquanto também sofreis tribulações. Unidos num só corpo, como não ficarão tristes os nossos corações? Como, humanamente, não experimentarmos a dor da separação?
Deus, porém, como diz a Escritura, cuida de cada cabelo de nossa cabeça, e o faz com toda a sabedoria; portanto, como não considerar esta perseguição senão como permitida pelo Senhor, ou mesmo, seu prêmio ou, até, sua pena?
Abraçai, pois, a vontade de Deus, combatendo de todo o coração pelo vosso chefe Jesus e vencendo o demônio, já vencido por ele.
Eu vos peço: não deixeis de lado o amor fraterno, mas ajudai-vos uns aos outros, perseverando até que o Senhor tenha piedade de nós e afaste a tribulação.
Aqui somos vinte e, pela graça de Deus, todos ainda estão bem. Caso algum de nós venha a morrer, peço não negligenciardes a sua família. Muitas coisas teria ainda a dizer-vos, mas como posso exprimi-las em tinta e papel? Por isso vou terminar minha carta. Aproximando-se para nós a luta, peço-vos finalmente que caminheis com fidelidade, de modo que no céu nos possamos congratular. Deixo-vos aqui meu ósculo de amor.
(fonte: www.liturgiadashoras.org)
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