segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O chefe da sinagoga ficou furioso...

XXX Semana do Tempo Comum, segunda-feira
Lc 13, 10-17


É preciso, antes de mais, ressaltar a firmeza da fé da mulher que foi curada por Jesus, a sua perseverança e confiança em Deus, depois de anos a fio de sofrimento.
Pois o Senhor nunca curou o corpo se a cura não significava a conversão da pessoa, o seu movimento para a fé em Deus, em primeiro lugar. Desse modo, a cura física também se tornava sinal para os demais. Não fosse assim, Jesus teria feito muitos milagres em sua cidade, Nazaré; mas o Evangelho diz claramente que "ali não fez muitos milagres, por causa da falta de fé deles". Nosso Senhor não opera milagres por mero sensacionalismo, para aparecer diante dos homens como se fosse uma espécie de mágico, mas para levar (ou aprofundar) à conversão - cura o corpo, em vista da cura da alma.
No entanto, conforme o relato que lemos hoje, uma testemunha qualificada da cura da mulher - o chefe da sinagoga - não apenas recusou-se a converter-se, como também endureceu ainda mais o coração. São Lucas relata que "ele ficou furioso, porque Jesus tinha feito uma cura em dia de sábado".
Enfureceu-se e tornou-se incapaz de alegrar-se com o bem do próximo e de maravilhar-se com a ação de Deus em favor da mulher que sofria. Certamente, algo na manifestação da Misericórdia Divina em benefício dela expôs, a seus próprios olhos, a dureza de seu coração, seu orgulhos e seus pecados mais secretos, que talvez escondesse de si mesmo debaixo da ilusão do perfeito cumprimento da Lei.
A compaixão de Jesus pela mulher derrubou o muro ilusório da autocomplacência do chefe da sinagoga. Por um instante, ele viu a si mesmo e a seus defeitos, como Deus os via. Nesse mesmo momento, a sós diante do Senhor em sua alma, ele teve a oportunidade de reconhecer seus erros, arrepender-se e pedir perdão. Teria sido recebido pelo Senhor com alegria e a dor se teria transformado em festa.
Ao invés disso, a dor de ver, ainda que por breve instante, a própria miséria foi-lhe insuportável. Não podia reconhecer-se cego, hipócrita, orgulhoso. Por isso, endureceu e fechou ainda mais o coração, deixou-se tomar pela ira e refugiou-se sob a capa do legalismo: "vinde, então, para serdes curados, mas não em dia de sábado".
Só então o Senhor expõe publicamente a hipocrisia do chefe da sinagoga, para ensinar aquelas pessoas e a nós.
O triste exemplo, profundamente negativo, do chefe da sinagoga é uma prova do quanto nos custa reconhecer nossas misérias - nossos pecados e defeitos.
Preferimos, tantas vezes, a tristeza que o pecado nos causa do que enfrentar a dor de seu reconhecimento para poder receber, na alegria, o perdão de Deus. Recusamos o anel no dedo e a roupa nova, trocamos o banquete no Reino de Deus pelo chiqueiro dos porcos.
Seja este o nosso propósito, hoje: fazer um profundo e corajoso exame de consciência, enfrentando o medo de sentir dor e vergonha de nós mesmos. Depois, busquemos com alegria e humildade o perdão de Deus, no confessionário, que é o tribunal de Sua Misericórdia, de onde sempre saímos absolvidos, se lá chegarmos com o coração contrito. O Senhor sempre saberá surpreender-nos com Seu amor e com a ternura de Sua acolhida.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

A Justiça e o Amor de Deus

XXVIII Semana do Tempo Comum, quarta-feira
Memória de Santa Teresa de Jesus, carmelita, virgem e doutora da Igreja
Lc 11, 42-46

Deixar de lado a justiça e o amor de Deus...
Com essas palavras, Nosso Senhor estabelece o que é mais importante na relação que Deus quer estabelecer com o home, uma relação de amor, cuja iniciativa sempre é de Deus, mas que exige do homem uma contrapartida (ainda que ínfima, se comparada com o que Deus dá ao homem nesta aliança de amor).
Mas o que se deve entender por "justiça" e "amor de Deus"? Não se trata de mero ritualismo, como o Senhor deixa claro neste texto. Mas também não é algo subjetivo ou relativo, como Jesus faz questão de sublinhar ao valorizar as práticas e, sim, condenar o seu esvaziamento: "vós deveríeis praticar isso sem deixar de lado aquilo".
Ao Deus que nos ama a ponto de entregar o Seu Filho para salvar-nos (cf. Jo 3, 16), só podemos corresponder com o maior amor que nos for possível, de total entrega e doação. Se Ele deu a vida por nós, também devemos dar a vida por Ele, todos os dias: morrendo para nós mesmos, para o nosso egoísmo e nossas misérias, abrindo-nos para as necessidades de nossos irmãos e fazendo o que está ao nosso alcance para curar as suas feridas.
Mas e quanto à justiça? O justo, para o Antigo Testamento, era aquele que obedecia a Deus, cumprindo com fidelidade a Sua Lei.
Jesus, porém, aperfeiçoa a justiça no amor, ao dizer: "quem me ama, cumpre os meus mandamentos" e "vós me amais, se fizerdes o que eu mando".
Portanto, justiça e amor estão mutuamente implicados. É preciso dar a Deus o culto que Lhe é devido (da forma como Ele quer) e cumprir os Mandamentos. Mas é preciso fazer tudo isso com amor e por amor, para que não incorramos na mesma condenação dos fariseus e mestres da lei.
Nosso Senhor não lhes condenou as práticas - "vós deveríeis praticar isso" - mas a falta de amor com a qual esvaziavam suas práticas - "sem deixar de lado aquilo".
Somos seres espirituais, mas também somos seres materiais, feitos de carne. Alguém já disse que o ser humano é essa belíssima união de corpo e alma. Por isso, não podemos negar a importância da prática da justiça (que corresponde ao corpo); mas também não podemos deixar de lado o amor de Deus (que corresponde à alma).
A supervalorização de qualquer dos dois aspectos, em detrimento do outro, provoca, lentamente, mas a passos firmes, a destruição e a perda da fé.
Por isso, é preciso buscar, sempre, o difícil equilíbrio entre oração e jejum, culto a Deus e prática do amor ao próximo (tanto pelas obras de misericórdia espirituais como pelas corporais).
Durante dois mil anos, ao longo de sua história, a Igreja sempre recomendou a todos os fieis a oração diárias e perseverante, ao lado de práticas de penitência e mortificação. Do mesmo modo, exortou a todos a frequência aos sacramentos (em especial, a Santa Missa), ao lado do atendimento dos mais necessitados.
Nada disso mudou, nem mesmo nos últimos cinquenta anos, desde que Nosso Senhor Jesus Cristo pronunciou as duras palavras que o Evangelho hoje nos relata. Porque o homem, o ser humano, continua a ser exatamente o mesmo.
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